terça-feira, 22 de abril de 2014

Seqüência 10 - O gato



            Voltando pra casa, Francisquim colocou por engano uma fita com músicas de Clara Nunes pra tocar. Pernalonga falou para ele ficar de ouvido atento pra Sagarana, música com letra de João de Aquino e Paulo César Pinheiro. De resto, tudo foi silêncio.
Chegando na casa de Pernalonga, Chiquim parou o carro no meio da ladeira, em frente a casa de um vizinho, e falou:
            - Dá tempo de fumar um baseado contigo. Pode ser?
            - E vai deixar o carro aí? Não pode.
            - O quê. Não tem problema. Não vão bater nele. E não tem guincho aqui. Vamos.
            Francisquim abriu o porta-malas, Pernalonga pegou o pacote deixado ali e os dois subiram as escadas meio enlameadas que iam dar na casinha do segundo.
            No meio do caminho, Pernalonga fez um costumeiro gesto de silêncio para o amigo. Era pra não fazer barulho enquanto passavam pela casa do tio, que ficava no meio do caminho. Fizeram silêncio e passaram. Pernalonga se arrependeu depois, achou que devia ter feito barulho. Que agora ia fazer barulho pra sempre. Que nunca fez silêncio por respeito, sempre fazia por medo. Não ia transformar medo em respeito por causa de uma cosia tão simples quanto a morte. Ia fazer barulho agora. Sempre.
            Chegando a casa de Pernalonga, se sentaram na varanda, nos mesmos lugares que algumas horas antes. O dono da casa abriu o pacote no colo, sob a luz de um poste que, na rua de cima, iluminava muito pouco. Às sombras viu mesclar o esverdeado dos camarões de maconha.
            - Nunca na vida pensei que ia ver uma coisa assim, tão bonita. – falou Pernalonga.
            - Ah, agora falou bonito. Isso é que é uma paixão que eu valorizo – disse Francisquim, pegando um pedaço de camarão no pacote. – Tão logo você se encanta, já se faz necessário queimá-la toda, embriagar-se para esquecer. Isso que é amor. O resto é inquietação.
            Pernalonga sacou uma pequena folha de celulose.

Nenhum comentário:

Postar um comentário