segunda-feira, 7 de abril de 2014

Seqüência 2.1 – O amor do bebum



            Mais tarde quando forem contar essa história, as pessoas dirão que foi repentino, alguns poucos românticos definirão a situação como amor à primeira vista, outros dirão apenas que se tratava do desespero de um homem trancafiado que estava vendo uma mulher de verdade pela primeira vez em muito tempo. Num ponto, no entanto, todos iriam concordar. Pernalonga entrou no bar disposto a gastar todo o dinheiro que tinha em cerveja, cachaça e tira-gosto, e fez isso só por causa de uma mulher atrás do balcão.
            Entenda caro leitor, que na cabeça de alguns homens (e Pernalonga era dessa espécie) mulher trabalhando em balcão de bar é um perigo. Ou ela é dona ou mulher ou filha do dono do bar e, nesse último caso, filha solteirona, ou então é uma mulher muito macho. Que só nesses quatro casos é que uma dama se enfia atrás de um balcão e vira a noite atendendo toda sorte de maluco e imbecil. E a regra é sempre muito clara: trate a mulher com respeito. Os engraçadinhos que se metem a bolinar a mulher que os está atendendo correm grande risco, normalmente terminando a noite sendo espancados, para entenderem que suas ações foram muito erradas e que merecem o castigo que estão levando.
            Ele tinha ficado só uns poucos meses na cadeia, mas não se lembrava daquela moça atendendo antes no Bar da Pousada. No entanto o jeito como andava, os cabelos maltratados e os olhos bem escuros tinham, nos seus sinestésicos sentidos, um cheiro de infância. Como o nariz nunca funcionara muito bem, Pernalonga nunca dera muita atenção pro cheiro das coisas (sua tia Emerinda, sem saber que o menino sofria de rinite alérgica, espancou-o algumas vezes, por ele não ter notado a comida queimando na panela), mas quando algum cheiro finalmente invadia suas entranhas, sabia que tinha que se devotar àquilo. Tinha sido assim quando um cachorro do sítio de Pereira tinha morrido e todos só notaram três dias depois; o odor da carne podre passou a infectá-lo de tal forma que podia predizer a morte, como no dia em que visitou a avó e sentiu o cheiro subindo dos pés rachados da velha: o anúncio da morte, finalmente concretizada três dias depois.
            Foi o cheiro de infância, mais que tudo, que arrastou Pernalonga pra dentro do bar. Um cheiro de leite, uma coisa doida que, olhando bem, pro volume dela, pro balanço todo (os seios nas copas do sutiã), que ele notava também que ela era mãe recente, amamentando ainda. E nova na cidade. Nova, não. Ele reconhecia. De algum lugar. Da infância. O cheiro de leite. O cheiro de leite vinha do passado dele. Ela vinha do passado. Sentou. Nada de ficar na mesa. No balcão, nos fundos.
            Cerveja: Brahma. Cachacinha: Pirassununga. Tira-gosto: pratinho de azeitona. “Pra começar.”
            Na quarta cerveja, mentalmente calculando, tava chegando a hora de parar de beber. Sentou e bebeu perdido na menina, disfarçando olhar, mal falando quando era servido – uma graça de se ver, não soubesse que era um delírio amargo. Fez tanta cena em sua não cena que, quando confrontado com a realidade de que ia ficar sem dinheiro, desesperou. Mas desespero de gente fina, por favor, que nosso homem não fez escândalo. Contido, ainda um tanto sóbrio, soube que tava fodido. Mas a mocinha se mexia que era uma beleza.

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