Mais tarde quando forem contar essa
história, as pessoas dirão que foi repentino, alguns poucos românticos
definirão a situação como amor à primeira vista, outros dirão apenas que se
tratava do desespero de um homem trancafiado que estava vendo uma mulher de
verdade pela primeira vez em muito tempo. Num ponto, no entanto, todos iriam
concordar. Pernalonga entrou no bar disposto a gastar todo o dinheiro que tinha
em cerveja, cachaça e tira-gosto, e fez isso só por causa de uma mulher atrás
do balcão.
Entenda caro leitor, que na cabeça
de alguns homens (e Pernalonga era dessa espécie) mulher trabalhando em balcão
de bar é um perigo. Ou ela é dona ou mulher ou filha do dono do bar e, nesse
último caso, filha solteirona, ou então é uma mulher muito macho. Que só nesses
quatro casos é que uma dama se enfia atrás de um balcão e vira a noite
atendendo toda sorte de maluco e imbecil. E a regra é sempre muito clara: trate
a mulher com respeito. Os engraçadinhos que se metem a bolinar a mulher que os
está atendendo correm grande risco, normalmente terminando a noite sendo
espancados, para entenderem que suas ações foram muito erradas e que merecem o
castigo que estão levando.
Ele tinha ficado só uns poucos meses
na cadeia, mas não se lembrava daquela moça atendendo antes no Bar da Pousada.
No entanto o jeito como andava, os cabelos maltratados e os olhos bem escuros
tinham, nos seus sinestésicos sentidos, um cheiro de infância. Como o nariz
nunca funcionara muito bem, Pernalonga nunca dera muita atenção pro cheiro das
coisas (sua tia Emerinda, sem saber que o menino sofria de rinite alérgica,
espancou-o algumas vezes, por ele não ter notado a comida queimando na panela),
mas quando algum cheiro finalmente invadia suas entranhas, sabia que tinha que
se devotar àquilo. Tinha sido assim quando um cachorro do sítio de Pereira
tinha morrido e todos só notaram três dias depois; o odor da carne podre passou
a infectá-lo de tal forma que podia predizer a morte, como no dia em que
visitou a avó e sentiu o cheiro subindo dos pés rachados da velha: o anúncio da
morte, finalmente concretizada três dias depois.
Foi o cheiro de infância, mais que
tudo, que arrastou Pernalonga pra dentro do bar. Um cheiro de leite, uma coisa
doida que, olhando bem, pro volume dela, pro balanço todo (os seios nas copas
do sutiã), que ele notava também que ela era mãe recente, amamentando ainda. E
nova na cidade. Nova, não. Ele reconhecia. De algum lugar. Da infância. O
cheiro de leite. O cheiro de leite vinha do passado dele. Ela vinha do passado.
Sentou. Nada de ficar na mesa. No balcão, nos fundos.
Cerveja: Brahma. Cachacinha:
Pirassununga. Tira-gosto: pratinho de azeitona. “Pra começar.”
Na quarta cerveja, mentalmente
calculando, tava chegando a hora de parar de beber. Sentou e bebeu perdido na
menina, disfarçando olhar, mal falando quando era servido – uma graça de se
ver, não soubesse que era um delírio amargo. Fez tanta cena em sua não cena
que, quando confrontado com a realidade de que ia ficar sem dinheiro,
desesperou. Mas desespero de gente fina, por favor, que nosso homem não fez
escândalo. Contido, ainda um tanto sóbrio, soube que tava fodido. Mas a mocinha
se mexia que era uma beleza.
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