sexta-feira, 11 de abril de 2014

Seqüência 2.5 – Rafamarga



            Enquanto o fogo do cigarro se extinguia e a barriga dos dois velhos amigos começava a roncar em prol da larica.
            - Você tem alguma coisa de comer em casa?
            Pernalonga sacudiu a cabeça negativamente.
            - E água?
            - Água, tem.
            - Vou de água, então. Quer?
            - Não, valeu.
            Francisquim entrou, deixando Pernalonga na varanda, observando o fim do dia com o sol que se extinguia atrás de um morro onde... Peraê! Pernalonga sentiu falta de algo. No topo do morro, bem onde o sol se escondia, algo estava faltando.
            - Caralho, Chiquim! Tiraram a árvore, mano.
            - Caralho, digo eu – falou o outro, na porta, garrafa d’água em mãos. – Essa porra tá mofada, filho da puta!
            - Ah, desculpa, ô fi duma égua. É que eu não tive tempo de desligar a geladeira antes de ser preso. A sorte é que só tinha água, aí.
            - Belo babaca que era seu tio, hein? Nem pra desligar a geladeira...
            - Hum. Isso é o de menos. Ele também não me visitou.
            - Também, sobrinho de merda que é você, cara. Fala, quê que você tava dando chilique aí?
            - A árvore, cara.
            - Que árvore, ô seu porra?
            - Lá em cima do pasto, ó. Tinha uma árvore. Uma árvore grandona. Sempre teve ali. Era cheio de árvore isso aí, quando eu era moleque. Então derrubaram. E só sobrou ela. Era grandona. Se eu você déssemos as mãos, a gente não dava um abraço completo nela.
            - Coisa de veado, hein? Abraçar árvore... Porra, cara. Se liga.
            - Cala a boca, maluco. Tá enchendo o saco. Escuta só.
            - Tá, fala.
            - A árvore, Chiquim. Cortaram a árvore.
            - E daí, cara? Ficou putinho porque não te avisaram, é isso?
            - Tu é um merda, Chiquim. Eu só tenho amigo merda.
            - Ah, tá falando da boca pra fora. Você fica reclamando, mas ó, tá lá seu celular em cima da mesa, cheio de mensagem de voz.
            - Meu celular?
            Pernalonga se levantou, indo na direção da cozinha, seguido por Francisquim. O celular estava em cima da mesa, carregando a bateria desde antes dele ser preso.
            - Cara, que merda. Isso já tava viciado antes, agora é capaz de eu nem poder tirar da tomada.
            - Viciado como?
            - Eu carregava e daqui a pouco a bateria já arriava. Viciado, assim. Ou pensou que ele cheirava igual você?
            - Ê, eu nem tenho cheirado... Tanto.
            - Setenta e duas mensagens de voz. Cruzes.
            - Cara, seu tio era um filho da puta, mesmo. Nem entrou na sua casa pra desligar a tomada.
            - Chiquim.
            - Oi?
            - Cala a boca. ‘Bora ouvir essa porra.
            Pernalonga colocou no viva-voz e deixou que a primeira mensagem invadisse o ar na forma de uma voz feminina:

Você é um filho da puta. Eu quero que você vai pra casa do caralho. Quem você pensa que é pra fazer isso comigo? Eu quero que você vai tomar no cu! Não dá pra acreditar que eu ainda pense que posso ter alguma coisa de bom vindo de você. Isso é tudo uma merda. E você só piora. Tomara que você apodreça nesse inferno de vida que você tem. É isso o que eu espero pra você. Eu vou rezar pra você continuar sendo esse infeliz filho da puta que você é.

            No final da gravação, Pernalonga desligou o celular.
            - Rapaz, essa você deixou realmente fula. Quem é a dona?
            - Eu não faço idéia.
            - Não vai ouvir o resto?
            Respirando fundo, Pernalonga respondeu: - Não, Chiquim. Por agora foi o bastante. Se as outras mensagens tiverem o mesmo tom, prefiro esperar pra um outro dia.
            - E você não sabe quem é? Não reconheceu a voz?
            - Não, cara.
            Pernalonga saiu, um pouco tonto. Alcançou o mesmo ponto da varanda onde estivera sentado e desabou, caiu sentado no mesmo ponto, machucando os ossos da bunda. E apesar de ter sentido a dor, não se manifestou em nada por conta dela. Estava pensando na fumaça verde que seus sentidos sinestésicos captaram vindo da voz no telefone.
            Francisquim sentou-se a seu lado: - Seria bom ter mais alguma pra fumar, hein?
            - É, viria bem a calhar.
            - Você quer conversar, Perna?
            - Você vai me dar um conselho, Velho Chico?
            - Não. Longe de mim falar alguma coisa que valha a pena. Tô pensando que você devia conversar com outra pessoa.
            - É, tipo quem?
            - Porra, você não sabe? Vou te levar pra falar com o Padre.
 

(continua domingo em abelamascara.wordpress.com)

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