Jorge Tadeu era taxista há quase quarenta anos. Embora
seus carros mudassem com uma rapidez absurda, ele mesmo parecia ser sempre o
mesmo. As pelancas não lhe caiam, os cabelos não branqueavam e nem as olheiras
roxeavam. Um sedentário, moldado ao assento do carro, o tempo todo pendurado a
uma "polsheti" (ela nele, caída pelo ombro, mas era ela que o levava,
entendam desde já, ela que o levava), sorrindo com seus dentes separados, um
espetáculo do absurdo, bem ali, na frente deles, trazendo no carona uma
figurinha pálida, que Tompinhão-Coelho achou que reconhecia de algum lugar.
(Lance rápido: Tompinhão-Coelho conhecia a figura do
ônibus, que quando Furquinha ligou pra ele que era pra voltar pra Macuco e
trabalhar no jornal, ele também foi informado de que um tal Darío Vuturuá iria
trabalhar com ele. Fuça daqui, fuça de lá, achou o perfil no Facebook de
Furquinha, e lá o tal Vuturuá. O sujeito parecia maluquinho, maluquinho. Era um
velhinho pinguço com menos de trinta anos. De certa forma, tinha tudo a ver com
Macuco. E Tompinhão-Coelho achou estranho quando o viu na fila do ponto de
ônibus em Itaboraí, que era um cara igualzinho o tal Vuturuá. E continuou
achando estranho quando ele desceu em Cachoeiras e pegou um ônibus pra Friburgo
e de lá um na direção de Macuco e desceu em Cantagalo, de forma que Tompinhão
decidiu que, ou o cara tinha errado de estação ou não era quem ele tava
pensando, e deixou o assunto para lá. Até aquele momento.)
Os dois roedores, Jorge Tadeu e a figurinha pálida que
estava no banco carona subiram para a casa de Pernalonga, que pelo visto só
Tompinhão-Coelho sabia como era, porque Jorge Tadeu estava agindo como um
turista e o palidinho, coitado, parecia que ia se cagar. Pernalonga ia na
frente, dizendo que talvez tivesse de segurar o cachorro, que todo mundo ia
poder sentar e coisa e tal pra fumar um, quando teve um choque. Quer dizer, fingiu tomar um choque tentando ligar a luz do poste que tinha na frente da casa.
Antes de contar como era a casa de Pernalonga, é preciso
dizer como se chegava a ela. O terreno do tio de Pernalonga, aquele que tinha
sido enterrado naquele dia, ficava para cima de um barranco, pertinho da
estrada, de forma que nem ficava mesmo no Morro do Palhaço, e para subir para a
casa do tio precisava subir numa escadinha entalhada no barranco, que era uma
merda de tão escorregadia (e onde a figurinha pálida quase deu uma rebolada em
direção ao chão, mas foi salvo por Tompinhão-Coelho que lhe forçou o braço,
dando graçazadeus que já tinha parado de garoar), daí se chegava na casa do
tio, que era bonita, com uma varandinha e uma porta dupla de madeira... Só que
as chuvas de uns dois anos atrás desceram com parte do barranco e da varanda e
da fundação da casa, de forma que o tio só morava na parte de trás, e um pouco
acima, numa casa em frente a uma goiabeira carregada cujo cheiro Pernalonga e
Jorge Tadeu sentiam e o rapazinho pálido, que naquela altura já tinha se
apresentado como Darío Vuturuá, via numa névoa vermelha intensa que se mostrava
mais densa que tudo e que de repente clareou, que foi quando Pernalonga tomou o
choque ligando o gato que ligava sua casa à do tio. Mas a claridade entrando
através do sinestésico vermelho fumacento das goiabas nos olhos de Darío não
era problema igual ao choque que Pernalonga reviu seu
terreno todo revirado, buracos em toda parte, e que com toda certeza
alguém tinha achado a maconha que ele tinha escondido ali.
“Porra, me roubaram a erva toda.”
O lamento não era honesto. Pernalonga sabia que, àquela
altura, depois de tanto tempo enterrada, toda a maconha estaria mofada. Mas ele
não podia resistir à tentação de arrancar alguns cruzeiros daquelas pessoas, na
verdade sua verve maconheirística insistia que ele deveria arrancar algum de
Tompinhão-Coelho, Jorge Tadeu e aquele rapazinho pálido, o “Uirátua”. Mas não
haveria nenhuma dolinha para se vender naquele momento. E, infelizmente, nada
para se fumar também.
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