domingo, 20 de abril de 2014

Seqüência 8 - Hosana nas alturas



            E como diria um personagem prestes a estrear por estas páginas, não é possível medir as ações de Deus. Sendo assim, é impossível decifrar se a fita se embolou engolindo o Free que gargarejava dentro do carro por puro acaso ou foi por vontade clara de suicídio após a temeridade musical disparada pela dupla, que agora estava indecisa entre ouvir uma gravação ao vivo do Men at Work, ou o cantarolar de Pernalonga A Flor e o Espinho, do Nelson Cavaquinho. Mas o gosto do outro pela música nacional nem teve muito tempo para ser questionado, porque logo os dois chegaram ao Sítio Flor Iluminada, na comunidade Santa Maria, que se encontrava, como sempre, com as porteiras abertas.
Seguiram por oitocentos metros até a casa principal, de onde, no terraço do segundo andar, podiam ver seu anfitrião, que acenava pra eles enquanto desciam do carro.
            - Sua benção, padre Hosana – falou Francisquim.
            - Deus te abençoe, meu filho... – respondeu o outro que já irrompia, por dentro da casa, escada abaixo, na direção dos visitantes, para, já na porta, completar as benções: -... da puta!
            Rindo, Francisquim e Hosana abraçaram-se e se cumprimentaram como velhos conhecidos. Pernalonga permanecia distanciado, um pouco cego pelo sol, um tanto constrangido por não se sentir intimo o suficiente, já que só tinha estado ali umas poucas vezes, e isso já há alguns anos.
            - Entonces, meu querido Francisquinho. Conte-me as novidades da cidade. – falou Hosana.
            - Ah, padre Hosana, aqui está, a melhor novidade de todas. – apontando para Pernalonga.
E o padre abriu a face em sorriso, soltando o esperado: - O que é que há, velhinho?
Pernalonga se aproximou, cumprimentando o padre: - Como vai o senhor?
- Senhor, garoto, como você bem, sabe, está...
- Na puta que pariu! – Disse Francisquim, interrompendo o padre, enquanto se dependurava no seu pescoço, rindo: - Este cara não é uma figuraça? – E, olhando pro padre, completou: - Você sabia que minha mãe nunca aprovaria a nossa amizade, não é?
- Como assim? Eu sou um homem de Deus. – Falou o padre, saindo do abraço apertado de Francisquim para pegar ele e Pernalonga pelos braços e encaminhar os dois para dentro de casa, onde deu prosseguimento ao assunto: - E por falar nisso, penso ouvir sinos, rapazes. Isto é o sinal de que já estamos passando da hora de encontrar com o Nosso Senhor. Preparados para as orações?
- E como não estaria, Padre? Não é, Perna? – disse Francisquim.
- É. Como eu não estaria?
O padre levou os dois até a sala principal da sua casa, que descia num estratégico declive, dando vistas para o lindo quintal e também para toda a área sul do sítio, que nesse ponto não passava de um morro verdejante e bastante arborizado em sua base, ao leito do rio. O visual sempre impressionara a Pernalonga, enquanto que Francisquim, mais acostumado a visitar o reverendo, já não parecia se surpreender com a beleza do lugar.
- Então, amigos, se adiantem! Temos muito que orar -, falou o Padre, sacando de um estojo atrás do sofá um enorme cigarro feito à maquininha, com maconha de uma ponta a outra. Vendo o cigarro enrolado em celulose que Hosana acendia com fósforos a fortes baforadas, Pernalonga entendeu de onde vinham todas as pontas guardadas por Chiquim: eram presentes do padre, já que era praticamente impossível fumar aqueles baseados inteiros, exatamente pelo capricho da maquininha em distribuir igualmente a maconha por todo o corpo do fumígeno.

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