A
concentração de Dario se espatifa como prato em casamento grego. Era como se um
carro estacionasse em seu quarto e meio. O cômodo alugado ficava sobre a muito
fina lajota de um bar que desde que asfaltaram a rua, passou a fica abaixo do
nível da mesma, deixando que qualquer um pouco mais alto só precisasse
apoiar-se na ponta dos pés para conferir o que acontecia no quarto – que
normalmente não passava de Dario datilografando sem parar – ou fingindo que
datilografava, quando na verdade estava a ponto de mergulhar na cama (onde
tinha que ficar sentado para escrever – sem encosto para as costas), admitindo
para o mesmo Universo de Zacarias, que era impossí vel continuar escrevendo. Principalmente
que o carro parado ali do lado tinha a porta do motorista aberta, de onda
escapava um axé famoso do último carnaval, que já havia tocado o bastante para
estar fora de moda, mas que por isso mesmo invadia sem pudores os ouvidos de
Dario:
Nêgo,
meu nêgo
Cadê
aquela nota que cê prometeu?
Você
só apareceu
querendo
meu rêgo
Meu
nêgo,
A
conta tá pra vencer, a luz vai apagá
Você
disse que ia pagá
Mas
só vem aqui querendo ooo
Meu
nêgo,
Isso tem
que parar, eu não vou gozar,
deixa
disso e
tira a mão do meeeeu rêgo!
A música foi o bastante para tirá-lo
do ar. Como reagir?
Voltar a escrever, agora, só com
muita força de vontade. Viver em cima de um bar e andar seriamente inclinado a
se embriagar de cachaça todos os dias dos últimos meses não contribuía muito
para a força de vontade.
Dario passou a mão pelos cabelos,
num movimento contínuo, da testa à nuca, mas não sem coçar o couro cabeludo
durante o trajeto. Impregnado com a música, restou-lhe apelar para uma última
ponta que tinha guardado entre as páginas de um livro do Sábato. Ou seria do
Burroughs? Ah, sim, ali estava. O verde violentou o muro e as páginas amassaram
o diminuto baseado. Em pensamento dedicou aquelas breves tragadas a Ignácio de
Loyola Brandão. Amém. Voltou para a máquina de escrever.
A música que se danasse.
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