segunda-feira, 19 de maio de 2014

Seqüência 15.2 - Armando o bote



            E no segundo dia de dezembro, com a chuva fina caindo e os pisca-piscas ligados, prenúncios de um Natal que encheria as ruas com os moradores bissextos, gente que caçava vida fora dali, gente que só podia caçar a vida ali - os que iam, os que vinham, todos juntos formavam uma multidão que Pernalonga não era hábil em lidar.
            Seguiam os dois, Pernalonga e seu hóspede, Dario Vuturuá, sob a chuva, com as luzes de Natal refletindo nas poças por toda a rua, Pernalonga ligeiramente alterado pelo álcool, falando um pouco mais alto que o costume, interessado em ser o mais simpático possível ao outro, que não deveria, não poderia (não iria!, e ponto final) se hospedar na Pousada Central, que ele não poderia ter noites de sono adequadas naquele pulgueiro, não, que era melhor ficar bem hospedado, e por isso Dario iria dormir na casa de seu tio (Pernalonga ainda se perguntava se iria contar a Dario que seu tio tinha recém-falecido), que era melhor, principalmente que ele estava a sério na cidade, que tinha uma busca a ser feita (logo, Pernalonga iria se calar, pararia de falar tanto de si, a confiança se esgueiraria para fora do seu corpo, tal tentáculos, pegando Dario, aproximando-o, fazendo-o se abrir, contar em detalhes quem era aquele Pedro Conselheiro, porque ele o estava procurando, e então falaria de Hosana e teria sua conquista), que o que Pernalonga também não queria era que Dario ficasse naquele quarto sujo e recebesse a visita da moça do bar, batendo na sua porta, perguntando se ele estava confortável, se não queria companhia, se poderia se sentar, tirar as roupas...
            Pernalonga esfregou os olhos, soltando um longo suspiro. Afastou as imagens da moça nua cavalgando o outro. Tinha que se concentrar, agora. Levaria o tal Dário até a casa do tio. O rapaz poderia dormir no quarto recentemente vago e Pernalonga aproveitaria para fuçar algumas gavetas, localizar a carteira do falecido e torcer para que não tenha mudado a senha do cartão do banco, que assim se garantiria na pensão que nem mesmo sabia de onde vinha, que era só uma coisa que tava sempre ali, agora, finalmente, recebida por inteiro, que não ia ter mais que dividir aquele dinheiro com ninguém, e já até se animava (à toa, que afinal, com tod’aquela maconha nova guardada no congelador, ele só precisava vender e voltava a ficar bem de grana, até melhor do que com mais a metade de uma pensão miúda – mas como quem passa por apertos e tormentos bem sabe, no fundo, Pernalonga ficava era feliz de ter aquele mísero seguro), quando lembrou-se que ainda tinha que matar Dario, que não podia deixar ele circulando por aí e comendo a sua menina, não.
            Assim sendo, iria matar o cara assim que ele caísse no sono. E depois pensaria em como se livrar do corpo.

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