Pernalonga, tomando conta do assunto, declinou de toda a maconha
oferecida. A dele bastava. Tirou onda o filho da puta. “Tirou onda o filho da
puta”, falou Francisquim. Precisaram de uma tesoura para cortar os camarões,
que logo tomavam forma nas habilidosas mãos de Pernalonga. Afinal, ele era o
cara. “Tem que tirar onda o filho da puta”, falou Francisquim. Pernalonga era
famoso por apertar os baseados mais caprichados. O esmero dedicado era
dispensado até às mínimas pernas de grilo. Uma lenda de olhos pequenos e
vermelhos. E orgulhoso disso.
Nessas horas Francisquim, antecipando o que estava para acontecer, até se
lamentava ter de se envolver com tipos como Pernalonga. Mas também sabia que,
apesar de ser um boçal atrapalhado com uma incrível predisposição às
vicissitudes da fortuna, estava ali uma pessoa confiável e com tino para
negócios, que nesse caso era vender maconha, mas não àquele público ali, olhos
vidrados numa maconha verdinha que nunca tinham visto antes, já que tudo que
andavam a fumar tinha gosto e cheiro de amônia e latejavam as pálpebras e ou
então enfiavam na gente um sonho danado, e que agora, ali, de frente pr’aquele
baseadão verdinho em seda transparente, estragava os planos todos, que era,
afinal, pra Pernalonga não contar pra ninguém de Macuco que ele tinha em mãos
essa maconha (que era justamente a onda que ele estava tirando), “e puta que me
pariu”, falou Francisquim, “ele vai estragar tudo”, continuou, “e só pra
mostrar que tem um pau maior que os outros, como sempre”.
Francisquim arrastou Dario para perto da mesa, onde Pernalonga habilmente
lambia o baseado de uma extremidade a outra, selando um longo canudo, bem
firme, que logo estava pegando fogo e passando de mão em mão. E enquanto fumavam, as
pessoas que tinham oferecido parte de sua maconha para o baseadão, notavam que
havia algo de diferente naquela erva, que não era a bosta de vaca malhada e
fedendo a urina que eles andavam a consumir, que era, para quase todos ali, uma
experiência nova no que tange à fumibilidade. Enfim, era o paraíso disfarçado
em cigarro de maconha.
E Pernalonga era quem tinha tal maravilha.
E Francisquim desgostou horrores do que estava acontecendo ali, embora
salivasse por dar um pau naquele baseadão que estava chumegando e correndo de
mão em mão e boca em boca. Um
tapa bastou para balançar Dario. Francisquim, mais experiente, encharcou-se
n’fumaça. Alguém mudou o cd e logo Gil entrou com A Novidade que abria o
Unplugged, um som que combinava bem com o clima, embora um ou outro já
começasse a debandar, assustado com o baseado, para cheirar num lugar mais
discreto. Outros, mais jovens, ainda encaravam o que já começava a se tornar
uma bagana. Chiquim vigiava Pernalonga, que se gabava do fumo perfeito, mas que
ainda não o oferecia a ninguém. Tenho Sede diminuiu o ritmo dos acontecimentos.
Beleza, ainda que restrita – uma vontade de morte, então. Alguém farejava isso,
pod’s crer. Mas ficava só assim, naquela depressãozinha de cidade pequena, um
desejo de mudança que não vem, q’não cai do céu, afinal. Então, alguém enche o
pulmão, esfrega os braços, estimulando a circulação, se levanta e vai. E,
pronto. salvou-se uma vida.
Mas esse que se salvou e se foi e foi sê feliz, esse não é ninguém, não.
É outro cara. De outra história. Pra outra pessoa contar. Que Pernalonga ainda
tava ali com seu enorme cigarro semi-transparente de maconha, e Francisquim
continuava vigiando, puto da vida, e o Dario tava procurando um lugar pra
sentar e desmaiar que já tava bêbado e chapado de tudo e queria mais era
desmoronar. “Ê ê mundo dá volta, camará!”
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