O quintal estava vazio, toda a erva do mundo tinha sumido e
Pernalonga estava debruçado sobre a mesa, apertando sementes com uma
faca, algumas delas giravam sob o peso da lâmina, sem estalar,
escorregando e sendo projetadas como uma bala, quicando nas paredes
e, algumas vezes, como que combinado, indo em direção aos olhos de
Darío Vuturuá, que testemunhava a cena e era responsável por
coletar essas sementes fugitivas.
- Eu sempre soube que fumar as sementes fazia mal, por conta dos
óleos e tal.
- Não é o que diz a filha da Monique Evans. Ela fez polêmica na
internet, dizendo que come semente pra saúde da pele.
- Mas comer não é fumar, certo? Fumaça e comida vão para buracos
diferentes.
- Tô sabendo, tô sabendo. Mas não ter o que fumar é foda. Tô
trampando de peão, fii. De manhã até as cinco, virando massa e
conversando fiado. Quando chego em casa, quero fumar, pô.
- Pensei que você ia aceitar a oferta do Lagarto.
- Pra vigiar uns traficantezinhos de merda pra ele e o padre
jamaicano? Mánenfodeno. Pouco me importa que só eles tenham maconha
boa e esses moleques estejam desperdiçando a deles, chamando a
atenção e armazenando mal (falou o cara que enterrava a erva no
quintal), eu quero ficar sossegadinho na minha, que o bicho tá
pegando, ozómi tão de olho e euzinho, eu, eu cabei de sair da cana
e não tenho disposição nenhuma pra voltar.
- Olha, o seu amigo Chiquim teve aqui hoje no almoço.
- É? E o que quê ele queria?
- Ele falou que ia soltar o tatu. Acho que ele queria usar o
banheiro.
Pernalonga ficou encarando aquele arremedo de ser humano diante dele
por um segundo. Então, pensou seriamente em esmagar a cabeça de
Darío, como pensara ter feito algumas semanas atrás. Mas preferiu
correr até o fundo do quintal, onde constatou que Chiquim tinha
mesmo roubado o seu tatu. Isso não podia ficar assim.