segunda-feira, 4 de julho de 2016

I – O Bruxo

   A chuva cai e eu me dissolvo sob suas gotas.
  Escorro pelo canto das calçadas, viro esquinas, divido-me em bifurcações, me junto a centenas de outros e inundo casas, tirando vidas, metendo-me por suas bocas e narinas, reúno-me a eles, trago-os para o grande fluxo, faço com que eles também se tornem parte da história dessas ruas.
   Não coma cogumelos durante um desastre ambiental. Fica a dica.
   Antes ou depois, não importa muito quando as coisas começam a se misturar, você desaparece e se torna parte da história. Psicogeografia de quinta categoria, você não importa muito, no máximo é uma história sem nexo que algum bebum conhecido contará numa noite onde a roda só terá cachaça ruim para passar de mão em mão, mas ainda assim você está conectado àquelas ruas, ao Beco do Dedé ou a uma ponte onde uma mulher se jogou... Você é a liga que une eventos diversos, exatamente como todas as outras pessoas podem ser.
    Mas, por saber disso, você está amaldiçoado. Então, resta um meio para reverter a maldição, torná-la em um feitiço. Mas como fazer isso? Há a opção de ser traiçoeiro e convencer algumas pessoas de que é necessário se banhar no oceano mercurial de informação a que todos, de uma forma ou de outra, estamos entregues. Ou então, de uma maneira mais honesta, ser aberto e dizer quais são os seus objetivos.
    E qual é o objetivo de um contador de histórias? Ter suas lendas espalhadas.

   E qual é a sua ferramenta? A caneta? O teclado? São estas as palavras mágicas? Então, vamos lá: Darío, esta identidade provisória, Vuturuá, este topo da montanha tupiguarani, platô lovecraftiano onde deuses se comunicam totalmente, esta entidade presa entre as palavras de um livro, liberta por cut-ups em formação, fazendo parte de um monte de histórias que não são as suas, remontando-se de acordo com as necessidades de um autor que enxerga o rizoma mas não é capaz de explicar, peça chave de uma narrativa transmidíatica que não busca um centro, já te pegou pelo pé, te faz parte da história apenas ao lê-la.
   Opa, você olhou para esse símbolo? Será que se sentiu tentado a decifrá-lo? Meu amigo Tompinhão Coelho diz que se sentiu preso a ele por muito tempo. Mergulhe você também nesta prisão. Da próxima vez em que se deitar com alguém, ou bater com o carro ou apenas gritar com seus filhos para que eles tenham cuidado ao atravessar a rua... Que tal se você pensasse nele por mim?
   Você poderia fazer isto?