A chuva cai e eu me dissolvo sob suas gotas.
Escorro pelo canto das calçadas, viro esquinas, divido-me em
bifurcações, me junto a centenas de outros e inundo casas, tirando
vidas, metendo-me por suas bocas e narinas, reúno-me a eles,
trago-os para o grande fluxo, faço com que eles também se tornem
parte da história dessas ruas.
Não coma cogumelos durante um desastre ambiental. Fica a dica.
Antes ou depois, não importa muito quando as coisas começam a se
misturar, você desaparece e se torna parte da história.
Psicogeografia de quinta categoria, você não importa muito, no
máximo é uma história sem nexo que algum bebum conhecido contará
numa noite onde a roda só terá cachaça ruim para passar de mão em
mão, mas ainda assim você está conectado àquelas ruas, ao Beco do
Dedé ou a uma ponte onde uma mulher se jogou... Você é a liga que
une eventos diversos, exatamente como todas as outras pessoas podem
ser.
Mas, por saber disso, você está amaldiçoado. Então, resta um
meio para reverter a maldição, torná-la em um feitiço. Mas como
fazer isso? Há a opção de ser traiçoeiro e convencer algumas
pessoas de que é necessário se banhar no oceano mercurial de
informação a que todos, de uma forma ou de outra, estamos
entregues. Ou então, de uma maneira mais honesta, ser aberto e dizer
quais são os seus objetivos.
E qual é o objetivo de um contador de histórias? Ter suas lendas
espalhadas.
E qual é a sua ferramenta? A caneta? O teclado? São estas as
palavras mágicas? Então, vamos lá: Darío, esta identidade
provisória, Vuturuá, este topo da montanha tupiguarani, platô
lovecraftiano onde deuses se comunicam totalmente, esta entidade
presa entre as palavras de um livro, liberta por cut-ups em formação,
fazendo parte de um monte de histórias que não são as suas,
remontando-se de acordo com as necessidades de um autor que enxerga o
rizoma mas não é capaz de explicar, peça chave de uma narrativa
transmidíatica que não busca um centro, já te pegou pelo pé, te
faz parte da história apenas ao lê-la.
Opa, você olhou para esse símbolo? Será que se sentiu tentado a
decifrá-lo? Meu amigo Tompinhão Coelho diz que se sentiu preso a
ele por muito tempo. Mergulhe você também nesta prisão. Da próxima
vez em que se deitar com alguém, ou bater com o carro ou apenas
gritar com seus filhos para que eles tenham cuidado ao atravessar a
rua... Que tal se você pensasse nele por mim?
Você poderia fazer isto?